terça-feira, 30 de março de 2010
Sugestão de filme, Clube da Luta
Ótimo filme, com uma mensagem bastante complexa (ou várias mensagens).
“Somente após o desastre nós podemos renascer”
“Primeiro se tem que desistir. Você há de saber, não temer, saber, que um dia você irá morrer.”.
“Cara, eu vejo no clube da luta os homens mais inteligentes e mais fortes que já viveram. Eu vejo todo esse potencial, e eu vejo desperdício. Porra, uma geração inteira abastecendo gasolina, servindo mesas; escravos de colarinho branco. A propaganda nos tem perseguindo carros e roupas, trabalhando em empregos que odiamos para que possamos comprar coisas que não precisamos. Somos os filhos do meio da História, cara. Sem propósito ou lugar. Não temos uma grande guerra. Nenhuma grande depressão. Nossa grande guerra é uma guerra espiritual... Nossa grande depressão são nossas vidas. Todos nós fomos criados pela televisão para que acreditássemos que um dia todos seríamos milionários, e deuses dos filmes e astros do rock. Mas nós não seremos. E estamos aceitando aos poucos esse fato. E estamos muito, muito putos.”
“Escutem, vermes. Vocês não são especiais.Você é a mesma decadente matéria orgânica que todas as coisas.”
“As coisas que você possui terminam te possuindo.”
“O auto-aprimoramento é masturbação. A auto-destruição é a resposta.”
Nada mais brilhante que a justificativa do porquê apontar a arma na cabeça do atendente da loja de conveniência (ou seja o que for), ou dirigir de propósito no lado errado da estrada. Concordo muitíssimo com o filme, perca a esperança, e aproveite a vida.
quinta-feira, 25 de março de 2010
O Demônio da Perversidade
*De Edgar Allan Poe
Ao examinar as faculdades e impulsos dos móveis primordiais da alma humana, deixaram os frenólogos de mencionar uma tenndência que, embora claramente existente como um sentimento radical, primitivo, irredutível, tem sido igualmente desdenhada por todos os moralistas que os precederam. Por pura arrogância da razão, todos nós a temos desdenhado. Temos tolerado que a sua existência escape aos nossos sentidos unicamente por falta de crença, de fé, quer seja fé na Revelação ou fé na Cabala. A idéia dessa tendência nunca nos ocorreu simplesmente por causa de sua superfluidade. Não víamos necessidade do impulso, nem da propensão. Não podíamos perceber-lhe a necessidade. Não podíamos compreender, isto é, não podiamos ter compreendido, dado o caso de ter-se este primum mobile introduzído a força, não podíamos ter compreendido de que maneira puderia ele promover os objetivos da humanidade, quer temporais, quer eternos.
Não se pode negar que a frenologia e boa parte de todas as ciências metafísicas tenham sido planejadas a priori. O intelectual ou homem lógico, ainda mais que o homem compreensivo ou observador, se põe a imaginar projetos, a ditar objetivos a Deus. Tendo assim sondado, a seu bel-prazer, as intenções de Jeová, edifica, de acordo com essas intenções, seus inumeráveis sistemas de pensamento. Na questão da frenologia, por exemplo, primeiro determinamos o que é bastante natural, que fazia parte dos desígnios da Divindade que o homem comesse. Então atribuímos ao homem um orgão de alimentação e este órgão é o chicote com que a Divindade compele o homem a comer, quer queira, quer não.
Em segundo lugar, tendo estabelecido que foi vontade de Deus que o homem continuasse a espécie, descobrimos imediatamente um órgão de amatividade. E assim por diante, com a combatividade, a idealidade, a casualidade, a construtividade, e assim, em suma, com todos os orgãos, quer representem uma propensão, um sentimento moral ou uma faculdade do intelecto puro. E nessas disposições dos princípios da ação humana, os Spurzheimitas, com razão ou não, em parte ou no todo, não fizeram mais que seguir, em princípio, as pegadas de seus predecessores, deduzindo ou estabelecendo cada coisa em virtude do destino preconcebido do homem e baseada nos objetivos de seu Criador.
Teria sido mais acertado, teria sido mais seguro, classificar (se podemosclassificar) sobre a base daquilo que o homem, usual ou ocasionalmente, fez e estava sempre ocasionalmente fazendo do que sobre a base daquilo que supomos que a Divindade tencionava que ele fizesse. Se não podemos compreender Deus nas suas obras visíveis, como então compreendê-lo nos seus inconcebíveis pensamentos que dão vida às suas obras? Se não podemos compreendê-lo nas suas criaturas objetivas, como compreendê-lo então nas suas disposições de ânimo substantivas e nas suas fases de criação?
A indução a posteriori teria levado a frenologia a admitir, como um princípio inato e primitivo da ação humana, algo de paradoxal que podemos chamar de perversidade, na falta de termo mais característico. No sentido que deu é, de fato, um ,mobile sem motivo, um motivo não motivirt. Sob sua influência agimos sem objetivo compreensível, ou, se isto for entendido como uma contradição nos termos, podemos modificar a tal ponto a proposição que digamos que sob sua influência nós agimos pelo motivo de nâo devermos agir.
Em teoria, nenhuma razão pode ser mais desarrazoada; mas, de fato, nenhuma há mais forte. Para certos espíritos, sob determinadas condições , torna-se absolutamente irresistível. Tenho certeza de que respiro do que a de ser muitas vezes o engano ou o erro de qualquer ação a força inconquistável que nos empurra, e a única que nos impele a continuá-lo. E não admitirá análise ou resolução em elementos ulteriores esta acabrunhante tendência de praticar o mal pelo mal. É um impulso radical, primitivo, elementar.
Dir-se-á, estou certo, que, quando nós persistimos em atos porque sentimos que não deveríamos persistir neles, nossa conduta é apenas uma modificação daquela que ordinariamente se origina da combatividade da frenologia. Mas um simples olhar nos mostrará a falácia dessa idéia. A combatividade frenológica tem por essência a necessidade de autodefesa. É a nossa salvaguarda contra a ofensa. Seu principio diz respeito ao nosso bem-estar e dessa forma o desejo desse bem-estar é excitado, simultaneamente, com seu desenvolvimento. Segue- se que o desejo do bem-estar deve ser excitado, simultaneamente, com qualquer princípio que seja simplesmente uma modificação da combatividade, mas, no caso daquilo que denuminei de perversidade, não somente o desejo de bem-estar não é excitado, mas existe um sentimento fortemente antagônico.
Afinal, um apelo ao próprio coração será a melhor resposta ao sofisma que acabamos de observar. Ninguém que confiantemente consulte e amplamente interrogue sua própria alma sentir-se-à disposto a negar a completa radicabilidade da tendência em questão. Esta tendência não é menos característica que incompreensível. Não há homem que, em algum momento, não tenha sido atormentado , por exemplo, por um agudo desejo de torturar um ouvinte por meio de circunlóquios. Sabe que desagrada. Tem toda a intenção de desagradar. Em geral é conciso, preciso e claro. Luta em sua lingua por expressar-se a mais lacônica e luminosa linguagem. Só com dificuldade consegue evitar que ela desborde. Teme e conjura a cólera daquele a quem se dirige. Contudo, assalta-o o pensamento de que essa cólera pode ser produzida por meio de certas tricas e parentesis. Basta esta idéia. O impulso converte-se em desejo, o desejo em vontade, a vontade numa ânsia incontrolável, e a ânsia ( para profundo remorso e mortificação de quem fala e num desafio a todas as consequências) é satisfeita.
Temos diante de nós uma tarefa que deve ser rapidamente executada. Sabemos que retardá-la será ruinoso. A mais importante crise de nossa vida requer, imperiosamente, energia imediata e ação. Inflamamo-nos, consumimo-nos na avidez de começar o trabalho, abrasando-se toda a nossa alma na antecipação de seu glorioso resultado. É forçoso, é urgente que ele seja executado hoje, e contudo, adiamo-lo para amanhã. Por que isso? Não há resposta senão a de que sentimos a perversidade do ato, usando o termo sem compreender-lhe o princípio.
Chega o dia seguinte e com ela mais impaciente ansiedade de cumprir nosso dever, mas com todo esse aumento de ansiedade chega também um indefinível e positivamente terrivel, embora insondável, anseio extremo de adiamento. E quanto mais o tempo foge, mais força vai tomando esse anseio. A última hora para agir está iminente. Trememos à violência do conflito que se trava dentro de nós, entre o definido e o indefinido, entre a substância e a sombra. Mas se a contenda se prolonga a este ponto, é a sombra quem prevalece. Foi vã a nossa luta. O relógio bate e é o dobre de finados de nossa felicidade. Ao mesmo tempo é a clarinada matinal para o fantasma que por tanto tempo nos intimidou. Ela voa. Desaparece. Estamos livres. Volta a antiga energia. Trabalharemos agora. Ai de nós porém, é tarde demais!
Estamos à borda dum precipício. Perscrutamos o abismo e nos veem a náusea e a vertigem. Nosso primeiro impulso é fugir ao perigo. Inexplicavelmente, porém, ficamos. Pouco a pouco, a nossa náusea, a nossa vertigem, o nosso horror confundem-se numa nuvem de sensações indefiníveis. Gradativamente, e de maneira mais imperceptível, essa nuvem toma forma, como a fumaça da garrafa donde surgiu o gênio nas Mil e uma Noites. Mas fora dessa nossa nuvem à borda do precipício, uma forma se torna palpável, bem mais terrível que qualquer gênio ou qualquer demônio de fábulas. Contudo não é senão um pensamento, embora terrível, e um pensamento que nos gela até a medula dos ossos com a feroz volúpia do seu horror. É , simplesmente, a idéia do que seriam nossas sensações durante o mergulho precipitado duma queda de tal altura.
E esta queda, este aniquilamento vertiginoso, por isso mesmo que envolve essa mais espantosa e mais repugnante de todas as espantosas e repugnantes imagens de morte e de sofrimento que jamais se apresentaram à nossa imaginação, faz com que mais vívamente a desejemos. E porque nossa razão nos desvia violentamenie da borda do precipício, por isso mesmo mais impetuosamente nos aproximamos dela. Não há na natureza paixão mais diabolicamente impaciente como a daquele que, tremendo à beira dum precipício, pensa dessa forma em nele se lançar. Deter-se, um instante que seja, em qualquer concessão a essa idéia é estar inevitavelmente perdido, pois a reflexão nos ordena que fujamos sem demora e, portanto, digo-o, é isto mesmo que não podemos lazer. Se não houver um braço amigo que nos detenha, ou se não conseguirmos, com súbito esforço recuar da beira do abismo, nele nos atiraremos e destruidos estaremos.
Examinando ações semelhantes, como fazemos, descobriremos que elas resultam tão-somente do espírito de Perversidade. Nós as cometemos porque sentimos que não deveríamos fazê-lo. Além, ou por trás disso, não há princípio inteligível, e nós podíamos, de fato, supor que essa perversidade é uma direta instigação do demônio se não soubéssemos, realmente, que esse princípio opera em apoio do bem.
Se tanto me demorei neste assunto foi para responder, de certo modo, a pergunta do leitor, para poder explicar o motivo de minha estada aqui, para poder expor algo que terá, pelo menos, o apagado aspecto duma causa que explique por que tenho estes grilhões e porque habito esta cela de condenado. Não me tivesse mostrado assim prolixo, talvez não me houvésseis compreendido de todo, ou, como a gentalha, me houvésseis julgado louco. Dessa forma, facilmente percebereis que sou uma das incontáveis vítimas do Demônio da Perversidade.
Nenhuma outra proeza jamais foi levada a cabo com mais perfeita deliberação. Durante semanas, durante meses, ponderei todos os meios do assassínio. Rejeitei milhares de planos porque sua realização implicava uma possibilidade de descoberta. Por fim, lendo algumas memórias francesas, encontrei a narrativa de uma doença quase fatal que atacou Madame Pilau em consequência de uma vela acidentalmente envenenada. A idéia feriu-me a imaginação imediatamente. Sabia que minha vítima tinha o hábito de ler na cama. Sabia, também, que seu quarto de dormir era estreito e mal iluminado. Mas não é preciso fatigar-vos com pormenores impertinentes. Não preciso descrever-vos os artifícios fáceis por meio dos quais substitui, no castiçal de seu dormitório, por uma vela, por mim mesmo fabricada, a que ali encontrei. Na manhã seguinte, encontraram-no morto na cama e o veredicto do médico legista foi: " Morte por visita de Deus."
Tendo-lhe herdado os bens, tudo correu a contento para mim durante anos. A idéia de ser descoberto jamais penetrou-me o cérebro. Eu mesmo cuidadosamente dispusera dos restos da vela mortal. Não deixara nem sombra de indício pelo qual fosse possível provar-se ou mesmo suspeitar-se de ter sido eu o criminoso. É impossível conceber-se o sentimento de absoluta satisfação que no meu intimo despertava a certeza de minha completa segurança. Durante longo período de tempo habituei-me à deleitação desse sentimento . Proporcionava-me muito mais deleite que todas as vantagens puramente materiais que me advieram do crime. Mas chegou por fim uma época na qual a sensação de prazer se transformou, de gradações quase imperceptíveis, numa idéia obcecante e perseguidora. Perseguia porque obcecava. Dificilmente conseguia libertar-me dela por um instante sequer. É coisa bem comum termos assim os ouvídos, ou antes a memória, assediados pela do som de alguma cantiga vulgar ou de trechos inexpressivivos de ópera. Não menos atormentados seremos se a cantiga é boa por si mesma ou se tem mérito a ária de ópera. Dessa forma, afinal, surpreendia- me quase sempre a refletir na minha segurança e a em voz baixa, a frase: "Estou salvo!"
Um dia, enquanto vagueava pelas ruas, contive-me no ato de murmurar, meio alto, essas sílabas habituais. Num acesso de audácia repeti-as desta outra forma: "Estou salvo. . . estou salvo sim…, contanto que não faça a tolice de confessá-lo abertamente!"
Logo que pronunciei estas palavras, senti um arrepio de enregelar-me o coração. Já conhecia aqueles acessos de perversidade ( cuja a natureza tive dificuldade em explicar) e lembrava-me bem de que em nenhuma ocasião me fora possível resistir a eles com êxito. E agora minha própria e casual auto-sugestão de que poderia ser bastante tolo para confessar o assassínio de que me tornara culpado me enfrentava como se fosse o autêntico fantasma daquele a quem eu havia assinado a acenar-me com a morte.
A princípio fiz um esforço para afastar da alma semelhante pesadelo. Caminhei mais apressadamente, mais depressa ainda. . . pus-me por fim a correr. Sentia um desejo enlouquecedor de gritar bem alto. Cada onda sucessiva de pensamento me acabrunhava com novos horrores, porque, ai!, eu bem compreendia, muito bem mesmo, que , na minha situação, pensar era estar perdido. Acelerei ainda mais a minha carreira. Saltava como um louco pelas ruas cheias de gente. Por fim a populaça alvoroçou-se e pôs-se a perseguir-me. Senti então que minha sorte estava consumada. Se tivesse podido arrancar a minha língua, tê-lo-ia feito, mas uma voz rude ressoou em meus ouvidos e uma mão ainda mais rude agarrou-me pelo ombro. Voltei-me , resfolegante. Durante um momento senti todos os transes da sufocação. Tornei-me cego, surdo e atordoado; e depois creio que algum demônio invisível bateu-me nas costas com a larga palma O segredo há tanto tempo retido irrompeu de minha alma. Dizem que me exprimi com perfeita clareza, embora com assinada enfase e apaixonada precipitação, como se temesse uma interrupção antes de concluir as frases breves mas refertas de importância que me entregavam ao carrasco e ao inferno.
Tendo relatado tudo quanto era preciso para a plena prova judicial; desmaiei. Que me resta a dizer? Hoje suporto estas cadeias e estou aqui! Amanhã estarei livre de ferros! Mas onde?
Ao examinar as faculdades e impulsos dos móveis primordiais da alma humana, deixaram os frenólogos de mencionar uma tenndência que, embora claramente existente como um sentimento radical, primitivo, irredutível, tem sido igualmente desdenhada por todos os moralistas que os precederam. Por pura arrogância da razão, todos nós a temos desdenhado. Temos tolerado que a sua existência escape aos nossos sentidos unicamente por falta de crença, de fé, quer seja fé na Revelação ou fé na Cabala. A idéia dessa tendência nunca nos ocorreu simplesmente por causa de sua superfluidade. Não víamos necessidade do impulso, nem da propensão. Não podíamos perceber-lhe a necessidade. Não podíamos compreender, isto é, não podiamos ter compreendido, dado o caso de ter-se este primum mobile introduzído a força, não podíamos ter compreendido de que maneira puderia ele promover os objetivos da humanidade, quer temporais, quer eternos.
Não se pode negar que a frenologia e boa parte de todas as ciências metafísicas tenham sido planejadas a priori. O intelectual ou homem lógico, ainda mais que o homem compreensivo ou observador, se põe a imaginar projetos, a ditar objetivos a Deus. Tendo assim sondado, a seu bel-prazer, as intenções de Jeová, edifica, de acordo com essas intenções, seus inumeráveis sistemas de pensamento. Na questão da frenologia, por exemplo, primeiro determinamos o que é bastante natural, que fazia parte dos desígnios da Divindade que o homem comesse. Então atribuímos ao homem um orgão de alimentação e este órgão é o chicote com que a Divindade compele o homem a comer, quer queira, quer não.
Em segundo lugar, tendo estabelecido que foi vontade de Deus que o homem continuasse a espécie, descobrimos imediatamente um órgão de amatividade. E assim por diante, com a combatividade, a idealidade, a casualidade, a construtividade, e assim, em suma, com todos os orgãos, quer representem uma propensão, um sentimento moral ou uma faculdade do intelecto puro. E nessas disposições dos princípios da ação humana, os Spurzheimitas, com razão ou não, em parte ou no todo, não fizeram mais que seguir, em princípio, as pegadas de seus predecessores, deduzindo ou estabelecendo cada coisa em virtude do destino preconcebido do homem e baseada nos objetivos de seu Criador.
Teria sido mais acertado, teria sido mais seguro, classificar (se podemosclassificar) sobre a base daquilo que o homem, usual ou ocasionalmente, fez e estava sempre ocasionalmente fazendo do que sobre a base daquilo que supomos que a Divindade tencionava que ele fizesse. Se não podemos compreender Deus nas suas obras visíveis, como então compreendê-lo nos seus inconcebíveis pensamentos que dão vida às suas obras? Se não podemos compreendê-lo nas suas criaturas objetivas, como compreendê-lo então nas suas disposições de ânimo substantivas e nas suas fases de criação?
A indução a posteriori teria levado a frenologia a admitir, como um princípio inato e primitivo da ação humana, algo de paradoxal que podemos chamar de perversidade, na falta de termo mais característico. No sentido que deu é, de fato, um ,mobile sem motivo, um motivo não motivirt. Sob sua influência agimos sem objetivo compreensível, ou, se isto for entendido como uma contradição nos termos, podemos modificar a tal ponto a proposição que digamos que sob sua influência nós agimos pelo motivo de nâo devermos agir.
Em teoria, nenhuma razão pode ser mais desarrazoada; mas, de fato, nenhuma há mais forte. Para certos espíritos, sob determinadas condições , torna-se absolutamente irresistível. Tenho certeza de que respiro do que a de ser muitas vezes o engano ou o erro de qualquer ação a força inconquistável que nos empurra, e a única que nos impele a continuá-lo. E não admitirá análise ou resolução em elementos ulteriores esta acabrunhante tendência de praticar o mal pelo mal. É um impulso radical, primitivo, elementar.
Dir-se-á, estou certo, que, quando nós persistimos em atos porque sentimos que não deveríamos persistir neles, nossa conduta é apenas uma modificação daquela que ordinariamente se origina da combatividade da frenologia. Mas um simples olhar nos mostrará a falácia dessa idéia. A combatividade frenológica tem por essência a necessidade de autodefesa. É a nossa salvaguarda contra a ofensa. Seu principio diz respeito ao nosso bem-estar e dessa forma o desejo desse bem-estar é excitado, simultaneamente, com seu desenvolvimento. Segue- se que o desejo do bem-estar deve ser excitado, simultaneamente, com qualquer princípio que seja simplesmente uma modificação da combatividade, mas, no caso daquilo que denuminei de perversidade, não somente o desejo de bem-estar não é excitado, mas existe um sentimento fortemente antagônico.
Afinal, um apelo ao próprio coração será a melhor resposta ao sofisma que acabamos de observar. Ninguém que confiantemente consulte e amplamente interrogue sua própria alma sentir-se-à disposto a negar a completa radicabilidade da tendência em questão. Esta tendência não é menos característica que incompreensível. Não há homem que, em algum momento, não tenha sido atormentado , por exemplo, por um agudo desejo de torturar um ouvinte por meio de circunlóquios. Sabe que desagrada. Tem toda a intenção de desagradar. Em geral é conciso, preciso e claro. Luta em sua lingua por expressar-se a mais lacônica e luminosa linguagem. Só com dificuldade consegue evitar que ela desborde. Teme e conjura a cólera daquele a quem se dirige. Contudo, assalta-o o pensamento de que essa cólera pode ser produzida por meio de certas tricas e parentesis. Basta esta idéia. O impulso converte-se em desejo, o desejo em vontade, a vontade numa ânsia incontrolável, e a ânsia ( para profundo remorso e mortificação de quem fala e num desafio a todas as consequências) é satisfeita.
Temos diante de nós uma tarefa que deve ser rapidamente executada. Sabemos que retardá-la será ruinoso. A mais importante crise de nossa vida requer, imperiosamente, energia imediata e ação. Inflamamo-nos, consumimo-nos na avidez de começar o trabalho, abrasando-se toda a nossa alma na antecipação de seu glorioso resultado. É forçoso, é urgente que ele seja executado hoje, e contudo, adiamo-lo para amanhã. Por que isso? Não há resposta senão a de que sentimos a perversidade do ato, usando o termo sem compreender-lhe o princípio.
Chega o dia seguinte e com ela mais impaciente ansiedade de cumprir nosso dever, mas com todo esse aumento de ansiedade chega também um indefinível e positivamente terrivel, embora insondável, anseio extremo de adiamento. E quanto mais o tempo foge, mais força vai tomando esse anseio. A última hora para agir está iminente. Trememos à violência do conflito que se trava dentro de nós, entre o definido e o indefinido, entre a substância e a sombra. Mas se a contenda se prolonga a este ponto, é a sombra quem prevalece. Foi vã a nossa luta. O relógio bate e é o dobre de finados de nossa felicidade. Ao mesmo tempo é a clarinada matinal para o fantasma que por tanto tempo nos intimidou. Ela voa. Desaparece. Estamos livres. Volta a antiga energia. Trabalharemos agora. Ai de nós porém, é tarde demais!
Estamos à borda dum precipício. Perscrutamos o abismo e nos veem a náusea e a vertigem. Nosso primeiro impulso é fugir ao perigo. Inexplicavelmente, porém, ficamos. Pouco a pouco, a nossa náusea, a nossa vertigem, o nosso horror confundem-se numa nuvem de sensações indefiníveis. Gradativamente, e de maneira mais imperceptível, essa nuvem toma forma, como a fumaça da garrafa donde surgiu o gênio nas Mil e uma Noites. Mas fora dessa nossa nuvem à borda do precipício, uma forma se torna palpável, bem mais terrível que qualquer gênio ou qualquer demônio de fábulas. Contudo não é senão um pensamento, embora terrível, e um pensamento que nos gela até a medula dos ossos com a feroz volúpia do seu horror. É , simplesmente, a idéia do que seriam nossas sensações durante o mergulho precipitado duma queda de tal altura.
E esta queda, este aniquilamento vertiginoso, por isso mesmo que envolve essa mais espantosa e mais repugnante de todas as espantosas e repugnantes imagens de morte e de sofrimento que jamais se apresentaram à nossa imaginação, faz com que mais vívamente a desejemos. E porque nossa razão nos desvia violentamenie da borda do precipício, por isso mesmo mais impetuosamente nos aproximamos dela. Não há na natureza paixão mais diabolicamente impaciente como a daquele que, tremendo à beira dum precipício, pensa dessa forma em nele se lançar. Deter-se, um instante que seja, em qualquer concessão a essa idéia é estar inevitavelmente perdido, pois a reflexão nos ordena que fujamos sem demora e, portanto, digo-o, é isto mesmo que não podemos lazer. Se não houver um braço amigo que nos detenha, ou se não conseguirmos, com súbito esforço recuar da beira do abismo, nele nos atiraremos e destruidos estaremos.
Examinando ações semelhantes, como fazemos, descobriremos que elas resultam tão-somente do espírito de Perversidade. Nós as cometemos porque sentimos que não deveríamos fazê-lo. Além, ou por trás disso, não há princípio inteligível, e nós podíamos, de fato, supor que essa perversidade é uma direta instigação do demônio se não soubéssemos, realmente, que esse princípio opera em apoio do bem.
Se tanto me demorei neste assunto foi para responder, de certo modo, a pergunta do leitor, para poder explicar o motivo de minha estada aqui, para poder expor algo que terá, pelo menos, o apagado aspecto duma causa que explique por que tenho estes grilhões e porque habito esta cela de condenado. Não me tivesse mostrado assim prolixo, talvez não me houvésseis compreendido de todo, ou, como a gentalha, me houvésseis julgado louco. Dessa forma, facilmente percebereis que sou uma das incontáveis vítimas do Demônio da Perversidade.
Nenhuma outra proeza jamais foi levada a cabo com mais perfeita deliberação. Durante semanas, durante meses, ponderei todos os meios do assassínio. Rejeitei milhares de planos porque sua realização implicava uma possibilidade de descoberta. Por fim, lendo algumas memórias francesas, encontrei a narrativa de uma doença quase fatal que atacou Madame Pilau em consequência de uma vela acidentalmente envenenada. A idéia feriu-me a imaginação imediatamente. Sabia que minha vítima tinha o hábito de ler na cama. Sabia, também, que seu quarto de dormir era estreito e mal iluminado. Mas não é preciso fatigar-vos com pormenores impertinentes. Não preciso descrever-vos os artifícios fáceis por meio dos quais substitui, no castiçal de seu dormitório, por uma vela, por mim mesmo fabricada, a que ali encontrei. Na manhã seguinte, encontraram-no morto na cama e o veredicto do médico legista foi: " Morte por visita de Deus."
Tendo-lhe herdado os bens, tudo correu a contento para mim durante anos. A idéia de ser descoberto jamais penetrou-me o cérebro. Eu mesmo cuidadosamente dispusera dos restos da vela mortal. Não deixara nem sombra de indício pelo qual fosse possível provar-se ou mesmo suspeitar-se de ter sido eu o criminoso. É impossível conceber-se o sentimento de absoluta satisfação que no meu intimo despertava a certeza de minha completa segurança. Durante longo período de tempo habituei-me à deleitação desse sentimento . Proporcionava-me muito mais deleite que todas as vantagens puramente materiais que me advieram do crime. Mas chegou por fim uma época na qual a sensação de prazer se transformou, de gradações quase imperceptíveis, numa idéia obcecante e perseguidora. Perseguia porque obcecava. Dificilmente conseguia libertar-me dela por um instante sequer. É coisa bem comum termos assim os ouvídos, ou antes a memória, assediados pela do som de alguma cantiga vulgar ou de trechos inexpressivivos de ópera. Não menos atormentados seremos se a cantiga é boa por si mesma ou se tem mérito a ária de ópera. Dessa forma, afinal, surpreendia- me quase sempre a refletir na minha segurança e a em voz baixa, a frase: "Estou salvo!"
Um dia, enquanto vagueava pelas ruas, contive-me no ato de murmurar, meio alto, essas sílabas habituais. Num acesso de audácia repeti-as desta outra forma: "Estou salvo. . . estou salvo sim…, contanto que não faça a tolice de confessá-lo abertamente!"
Logo que pronunciei estas palavras, senti um arrepio de enregelar-me o coração. Já conhecia aqueles acessos de perversidade ( cuja a natureza tive dificuldade em explicar) e lembrava-me bem de que em nenhuma ocasião me fora possível resistir a eles com êxito. E agora minha própria e casual auto-sugestão de que poderia ser bastante tolo para confessar o assassínio de que me tornara culpado me enfrentava como se fosse o autêntico fantasma daquele a quem eu havia assinado a acenar-me com a morte.
A princípio fiz um esforço para afastar da alma semelhante pesadelo. Caminhei mais apressadamente, mais depressa ainda. . . pus-me por fim a correr. Sentia um desejo enlouquecedor de gritar bem alto. Cada onda sucessiva de pensamento me acabrunhava com novos horrores, porque, ai!, eu bem compreendia, muito bem mesmo, que , na minha situação, pensar era estar perdido. Acelerei ainda mais a minha carreira. Saltava como um louco pelas ruas cheias de gente. Por fim a populaça alvoroçou-se e pôs-se a perseguir-me. Senti então que minha sorte estava consumada. Se tivesse podido arrancar a minha língua, tê-lo-ia feito, mas uma voz rude ressoou em meus ouvidos e uma mão ainda mais rude agarrou-me pelo ombro. Voltei-me , resfolegante. Durante um momento senti todos os transes da sufocação. Tornei-me cego, surdo e atordoado; e depois creio que algum demônio invisível bateu-me nas costas com a larga palma O segredo há tanto tempo retido irrompeu de minha alma. Dizem que me exprimi com perfeita clareza, embora com assinada enfase e apaixonada precipitação, como se temesse uma interrupção antes de concluir as frases breves mas refertas de importância que me entregavam ao carrasco e ao inferno.
Tendo relatado tudo quanto era preciso para a plena prova judicial; desmaiei. Que me resta a dizer? Hoje suporto estas cadeias e estou aqui! Amanhã estarei livre de ferros! Mas onde?
quarta-feira, 17 de março de 2010
O consenso é incoerente.
Acompanho a comunidade do Internacional no Orkut desde 2005, tenho isso por hábito, muito mais porque lá postam notícias de todos os assuntos que pelas discussões sobre futebol mesmo.
Uma hora dessas algum gremista com um perfil falso muito mal feito cria um tópico falando como sendo um colorado gay e pedindo respeito à sua sexualidade. Passados cinco minutos muitos e muitos colorados desocupados online no momento respondem chamando o cara de desocupado por fazer uma bobagem dessas, mas também “xingando” o cara de gay.
Sim, é verdade que o autor do tópico tem muito tempo livre e que é um idiota por gastar com isso, assim como os que respondem o tópico, em menores proporções (os que responderam só clicaram na tela e responderam, não se deram ao trabalho de criar um fake e tudo mais).
Mas a questão que passa batida é que a situação simulada pelo gremista, de haver um suposto colorado pedindo compreensão por ser homossexual é onde quero chegar. Em nenhum momento alguém concorda que o Inter, como clube supostamente sem preconceitos, deveria sim acolher quem fosse gay e quisesse ser torcedor.
A população, de maneira geral, não parece assimilar o fato de que o preconceito com quem é gay é algo a ser combatido, de acordo com os valores que ela mesma defende (não ao racismo, democracia, igualdade de direitos...).
É uma questão de respeito às diferenças. Ou se reprime o preconceito com gays ou então que se admita o preconceito com negros, judeus, ou o que for...
Obs.: Sim, eu sei que estádio de futebol não é teatro, sou a favor de xingar o Grêmio todo jogo, inclusive. Mas então que não reclamem do “chora macaco imundo” que os caras vestidos de pijama cantam...
Uma hora dessas algum gremista com um perfil falso muito mal feito cria um tópico falando como sendo um colorado gay e pedindo respeito à sua sexualidade. Passados cinco minutos muitos e muitos colorados desocupados online no momento respondem chamando o cara de desocupado por fazer uma bobagem dessas, mas também “xingando” o cara de gay.
Sim, é verdade que o autor do tópico tem muito tempo livre e que é um idiota por gastar com isso, assim como os que respondem o tópico, em menores proporções (os que responderam só clicaram na tela e responderam, não se deram ao trabalho de criar um fake e tudo mais).
Mas a questão que passa batida é que a situação simulada pelo gremista, de haver um suposto colorado pedindo compreensão por ser homossexual é onde quero chegar. Em nenhum momento alguém concorda que o Inter, como clube supostamente sem preconceitos, deveria sim acolher quem fosse gay e quisesse ser torcedor.
A população, de maneira geral, não parece assimilar o fato de que o preconceito com quem é gay é algo a ser combatido, de acordo com os valores que ela mesma defende (não ao racismo, democracia, igualdade de direitos...).
É uma questão de respeito às diferenças. Ou se reprime o preconceito com gays ou então que se admita o preconceito com negros, judeus, ou o que for...
Obs.: Sim, eu sei que estádio de futebol não é teatro, sou a favor de xingar o Grêmio todo jogo, inclusive. Mas então que não reclamem do “chora macaco imundo” que os caras vestidos de pijama cantam...
quarta-feira, 10 de março de 2010
Não entendi...

Desde hoje volto a atualizar o blog semanalmente, pelo menos a princípio, eu não sei como vai ser a vida nos próximos meses, mas enquanto o tempo me permitir seguirei postando :)
A foto da esquerda mostra uma pichação na Redenção, em Porto Alegre, e a da direita no colégio Coeducar em Caçapava do Sul.
Aqui em Porto Alegre tudo quanto é lugar é pichado, mas essas pichações que apareceram em Caçapava me chamaram a atenção, por não serem comuns...
Pois bem, analisando o caso específico da foto, “educação burguesa fede”. Pra mim o autor do “manifesto” não deixa a opção de ser respeitado, tendo em vista que a instituição “burguesa” onde a pichação foi feita não visa lucros. Sendo assim, o que ele quer dizer com essa frase? Que linha de pensamento político essa pessoa segue?
Outra frase que apareceu, aparentemente de mesma autoria, em Caçapava, “muro em branco = povo calado”, que parece mostrar a mesma opinião do pichador porto alegrense, que pichar as paredes é um modo de se rebelar... Eu pergunto, contra o que? Contra quem? Qual é a repressão ideológica que esses caras enfrentam?
Grande exemplo da (falta de) politização do povo gaúcho (ou de parte dele). Se por acaso esse texto chegar aos olhos de algum pichador, eu sugiro que pegue um livro e aprenda o que é marxismo, liberalismo ou anarquismo; antes de sair “se rebelando”. Ou então, convido que se manifeste aqui no blog, explicando melhor a sua “causa”, porque até agora o resultado das ações dessa gente, pra mim e acho que pra maioria das pessoas, é de desprezo por essa (pelo menos aparente) ignorância que desrespeita a propriedade alheia.
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