
Todo santo dia passo por moradores de rua dormindo e sobrevivendo nas calçadas aqui em Porto Alegre. Dia de chuva aparecem mais, passo por eles na ida e na volta do colégio (ou do cursinho). Existe uma (frente de) garagem que é a ‘casa’ de um grupo deles, vivem lá 24h, às vezes com alguma comida, às vezes com algum cobertor, sempre com algo de alcoólico.
Há quem diga que há ONGs que se oferecem para levá-los a abrigos.
Há quem diga também que eles se recusam a ir aos abrigos por não poderem levar sua cachacinha junto deles. Que fossem levados a uma clínica de desintoxicação, então...
Mas o ponto não é esse.
Onde quero chegar é no fato de que eu, e aparentemente a maioria dos moradores daqui simplesmente não me importo realmente com essa realidade. Eu adoraria ajudar essa gente de forma que fosse resolver o problema (esmola não resolve nada)... Só que não tenho tempo nem estrutura para tal, então tiro esse "peso" de mim, acabo por agir como se entendesse que não é problema meu. Só que todos agem assim.
É uma falta de consideração, de valor humano, essas pessoas terminam sendo vistas como animais, como lixo.
E o porquê disso é que elas não representam nenhuma possibilidade de benefício a ninguém, exceto, é claro, àqueles que vendem canha e demais entorpecentes de forma absurdamente acessível.
Pergunto, essa gente que lucra com isso preferia ver esses seus clientes em bom estado de saúde e vida, de modo que não consumiriam tanto seus produtos? Capitalismo selvagem.
Acho que daí pode-se concluir que na nossa sociedade atual existem toques da crença na “Raça Superior” ainda hoje, inclusive na minha mente ou na tua que lê isto.
É um absurdo, e é preciso mudar. O lucro não pode ser mais importante que a saúde e integridade de todos.
Sobre isso, te indico um livro que se chama "a banalidade do mal", de Hanna Arendt.
ResponderExcluirO livro é sobre a banalidade do mal, e se chama Eichmann em Jerusalém.
ResponderExcluirOlá, caríssimo debatedor ;)
ResponderExcluirSobre esse assunto há sempre muito o que ser dito e, aparentemente, pouco o que possa ser feito assim de imediato e de definitivo. Pelo menos por nós, indivíduos imersos numa rotina que trata de nos tirar todo e qualquer poder de organização e todo o sentimento de compaixão.
Bons autores podem nos ajudar a entender o caso e a tomar algumas providências se assim mandar o nosso coração. Meu preferido (ok, confesso, nunca li esse livro que o Marcelo indicou) é o sociólogo polonês radicado na Grã-Bretanha Zygmunt Bauman.
Esse cara, que escreveu Vida para Consumo, mostra como o sistema "pós-moderno" está constituído para PRODUZIR excluídos. Desde os excluídos do direito de escolher onde viver - através das leis cada vez mais restritas de imigração para o cidadão comum e mais abertas para o qualificado - até a exclusão econômica e social completa representada pelo morador de rua.
Isso, pra ele, tem um papel importante na sociedade. A existência de "vagabundos" serve como motivação para ninguém nunca parar de correr atrás da máquina e nunca pensar que não precisa DE FATO de tantos bens de consumo e, por consequência, que não é necessário comprometer a cada mês uma parcela maior da renda com o financiamento das compras.
Eu acho que ele tem uma boa dose de razão. Principalmente se vc se dedica a ler a íntegra da argumentação dele. Mas acho que ENTENDER o fato social não é RESOLVÊ-LO. Pode tranquilizar nossas consciências, mas não tira ninguém da miséria e do vício. Nesse ponto eu verdadeiramente admiro as igrejas. Principalmente as evangélicas caça-níquel, que apesar dos pesares são as que mantém as portas mais abertas e que ajudam as pessoas a acreditar que uma vida melhor é possível (com a graça de Deus e o pagamento do dízimo, é claro).
Eu acho que, individualmente, é importante tentar fazer alguma coisa. Isso ajuda a entender o ser humano e a dormir mais tranquilo. Imagino que possa ser ajudando uma igreja a distribuir um sopão, trabalhando numa ong de re-inserção social ou de qualquer outra maneira que te pareça coerente e efetiva.
Mas vamos ser sinceros: ajudar a alguns jamais vai resolver o problema de todos. A miséria sempre existiu e é difícil que deixe de existir, mesmo com toda a boa vontade dos governos e com todo o aumento da produção de alimentos, da distribuição de renda e de qualquer outra coisa que já nos tenham tentado vender como solução.